No final do século 17, priorizava-se que o paciente estivesse em âmbito familiar e essa ideia era defendida por parte dos estudiosos do campo da saúde. Em contraponto, a hospitalização, devido à sua impessoalidade, era considerada prejudicial e agravadora dos males (1).
Atualmente, entende-se que a internação hospitalar pode ser um dos recursos necessários à recuperação da saúde do usuário. Mas com isso, o paciente é acometido por uma série de mudanças e interrupções de vida que qualquer ser humano requer no âmbito social, como carência emocional, isolamento e dificuldades econômicas, que podem ser prejudiciais ao seu tratamento.
Acompanhantes e visitantes amenizam esses fatores por serem a rede de apoio familiar e social do paciente durante sua hospitalização, tornando-se também o elo com a sociedade.
Porém, muitos profissionais e instituições não percebem a importância do acompanhante. Isso porque a ideia de que a permanência do acompanhante se trata de concessão ainda é muito difundida, sendo ignoradas as necessidades subjetivas do indivíduo e o valor que o acompanhante pode trazer à rápida recuperação da saúde e da autonomia do usuário.
Os benefícios para o paciente
No período de internação, o paciente é afetado por alguns sentimentos, como medo do desconhecido – tanto do ambiente como do prognóstico –, solidão e angústia – pela perda da liberdade –, e afastamento do seu meio social. O acompanhante, neste caso, pode surgir como base de acolhimento, sendo considerado pelo usuário uma fonte de segurança e amparo, e tem o papel de agente facilitador no restabelecimento da saúde do indivíduo dentro da unidade hospitalar, assim como ajudar na aceleração no processo de reabilitação.
Além disso, o acompanhante também auxilia:
• na redução dos sintomas de abatimento e ansiedade, frequentes nessa situação;
• a prestar o cuidado direto ao paciente, auxiliando-o na realização das suas atividades corriqueiras;
• a suprir as necessidades da equipe de enfermagem, em caso de pacientes desorientados ou com dificuldades em aderir ao tratamento;
• como um importante elo entre internado e equipe de saúde, sendo fonte de informações sobre seu estado de saúde, resultados de exames, prognóstico, entre outros.
Medidas extremas durante a pandemia
O início de 2020 foi marcado por preocupação e incertezas com o medo do, até então, desconhecido SARS-CoV-2, que se disseminava em vários países rapidamente. Como não se sabia qual era o tratamento, a OMS sugeriu, dentre muitas medidas restritivas, o distanciamento social. Com isso, muitos hospitais aderiram a essa medida dentro de seus edifícios e decidiram por eliminar, provisoriamente, a presença de acompanhantes e visitantes para lidar com essa síndrome misteriosa e, assim, evitar a transmissão em um ambiente repleto de pessoas que fazem parte do grupo de risco da Covid-19.
Com o passar do tempo, recentes estudos e artigos, como este publicado no JAMA Network, reforçam e relembram a importância de se manter o acompanhante para a recuperação do paciente, desde que se siga medidas rígidas que devem ser respeitadas por todos: equipe médica, acompanhantes e pacientes.
O acompanhante no âmbito legal
Nas últimas décadas, desde as orientações nacionais das políticas públicas de saúde, implementadas pela Lei do Sistema Único de Saúde (SUS), está garantida a integralidade da assistência ao paciente, valorizando a humanização hospitalar.
Com a Política Nacional de Humanização, PNH, lançada em 2003 pelo Ministério da Saúde, o acompanhante é visto como “representante da rede social da pessoa internada, que a acompanha durante toda sua permanência nos ambientes de assistência à saúde”.
As orientações da Cartilha sobre Visita Aberta e o Direito ao Acompanhante, baseada na PNH, apontam para “a necessidade da criação de um ambiente relacional” que viabilize ao usuário a possibilidade de redescobrir o sentido e o valor de sua existência neste momento desfavorável imposto pela hospitalização.
Mas o direito à permanência do acompanhante no ambiente hospitalar só é reconhecido legalmente para algumas parcelas de usuários do sistema de saúde, como idosos, gestantes, indivíduos com necessidades especiais e menores de 18 anos. Nesses casos, não há necessidade de autorização especial para estarem acompanhados durante a internação.
O paciente adulto, de modo geral, usufrui do acompanhamento como uma concessão. Ainda assim, a negociação com a equipe de enfermagem e administração do hospital é, muitas vezes, desgastante e depende das condições estruturais do hospital ou da necessidade do acompanhante em suprir o déficit de profissionais de enfermagem. Em ambos os casos, não são priorizadas as necessidades psicossociais do indivíduo internado.
Foco no tratamento humanizado
A integração a um ambiente que propicie conforto, segurança e afetividade, além de assistência se mostra indispensável para a melhora e a recuperação da saúde individual e coletiva. Este ambiente, na maioria das vezes, requer a presença de familiares ou da comunidade da qual faz parte o usuário internado.
Além disso, o tratamento humanizado deve contemplar o espaço físico do hospital, assim como a tecnologia e suas estruturas humanas e administrativas, priorizando o respeito à dignidade do indivíduo, seja ele paciente, familiar ou profissional, oferecendo condições para um atendimento de qualidade para todos.
Assim, o acompanhante não será visto apenas como agente cuidador, mas como facilitador da evolução clínica. Portanto, a sua participação nessa fase deve ser reconhecida, incentivada e discutida coletivamente durante todo o processo da internação.
Ao reconhecer a permanência do acompanhante como um direito, o ambiente hospitalar adapta seus espaços, e profissionais discutem para adotar estratégias que viabilizem a presença de novos sujeitos, acompanhando a evolução das ações em direção à humanização da assistência (2).
Referência:
(1) Foucault MO. O Nascimento da Clínica
(2) Acompanhamento hospitalar: direito ou concessão ao usuário hospitalizado?